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Aposentadoria fracassada: guarde esse conceito

Eu costumo utilizar o termo aposentadoria fracassada na lista de problemas durante as anamneses - as entrevistas médicas - dos pacientes no consultório. 

O que eu via como aposentadoria fracassada? Muito longe do mero aspecto financeiro, eu via pessoas deslocadas. Talentos adormecidos por força burocrática ou por crenças erradas. Desperdício. Vazio existencial. 

Na medida em que passei a atender pessoas que vivenciam sua aposentadoria de maneiras extremamente positivas, esse diagnóstico de aposentadoria fracassada foi tornando-se mais claro e mais preciso. 

Há formas boas de encarar a aposentadoria e formas não tão boas, mas que não causam tanto sofrimento. Mas há a forma ruim, aquela que reflete problemas pré-aposentadoria ou causa problemas após o fim da vida profissional.

Em inglês, se fala em “retirement regrets and mistakes” (arrependimentos e erros na aposentadoria). Em muito, o conceito se assemelha às características da aposentadoria fracassada, que são:

- Redução no convívio social;

- Piora nos relacionamentos familiares;

- Falta do sentimento de utilidade;

- Sedentarismo físico e mental;

- Descontrole financeiro;

- Lamúria.

A aposentadoria é mesmo uma fase da vida complicada e exigente. Basta qualquer um desses itens estar presente que a qualidade de vida de quem se aposenta fica em cheque.

O primeiro item que caracteriza a aposentadoria fracassada é a redução no convívio social - situação que pode ser agravada quando outra característica do fracasso na aposentadoria acontece, que é a piora nos relacionamentos familiares.

A restrição da vida ao aposento nos apequena como seres humanos e, além disso, nos expõe a atritos familiares constantes. Sem esquecer de tudo o que a solidão e o isolamento podem também causar.

Outra característica da aposentadoria fracassada é a falta de sentimento de utilidade. Ele é ainda mais grave em pessoas em plena saúde e disposição mental. Quando um adulto na meia ou terceira idade afirma que se sente inútil, as chances dele apresentar um transtorno de humor são significativas.

Seguem como características da aposentadoria fracassada dois tipos de sedentarismo: o físico e o mental. Aquele que não faz nada, só fica em casa olhando televisão, futricando na timeline do Facebook, que não gosta de ler, não faz cursos e passa grande parte do dia sentado definitivamente não vive a aposentadoria da forma mais adequada. 

Continuando, é claro que o descontrole financeiro também sinaliza uma aposentadoria fracassada. Há, para a maioria, uma redução nos rendimentos que, com inflações específicas - como a da saúde, que é maior do que a geral - acabam tendo poder de compra ainda menor com o passar dos anos. Quaisquer situações de vulnerabilidade financeira têm impacto significativo na redução da qualidade de vida.

Acho interessante comentar uma pesquisa feita por telefone com 1.001 adultos entre 44 a 71 anos, nos Estados Unidos, cujo resultado mostrou que 61% dos entrevistados temiam mais ficar sem dinheiro na aposentadoria do que a própria morte. O medo de ficar pobre na aposentadoria superou o de morrer!

Por último, a lamúria. No consultório, encaro a lamúria como escudo e tento conhecer quem está por trás e os motivos que a trazem à cena. Mas para quem não tem essa vocação clínica, os familiares ou amigos, por exemplo, o que a lamúria provoca é uma natural repulsa. Ninguém gosta de quem só reclama.

Incluí esse estilo de vida e de discurso, de queixar-se sempre, por ser um sinal muito óbvio de desajuste e porque ele por si só causa prejuízos diretos em domínios fundamentais para o bem-estar, como relacionamentos familiares e sociais. 

Uma pessoa que não toma para si a responsabilidade sobre seus atos dificilmente enfrentará bem um momento de forte estresse, que é a aposentadoria e não tomará as atitudes necessárias para enfrentá-la.

Dr. Leandro Minozzo - CRM 32053
Mestre em Educação | Clínico Geral - Especialização em Geriatria PUCRS
Pós-graduado em Nutrologia pela ABRAN